domingo, 4 de janeiro de 2009

O Guardador de Rebanhos



Da mais alta janela da minha casa

Com um lenço branco digo adeus

Aos meus versos que partem para a humanidade.


E não estou alegre nem triste.

Esse é o destino dos versos.

Escrevi-os e devo mostrá-los a todos

Porque não posso fazer o contrário

Como uma flor não pode esconder a cor,

Nem o rio esconder que corre,

Nem a árvore esconder que dá fruto.


Ei-los que já vão longe como que na diligência

E eu sem querer sinto pena

Como uma dor no corpo.


Quem sabe quem os lerá?

Quem sabe a que mãos irão?


Flor, colheu-me o meu destino para os olhos.

Árvore, arrancaram-me os frutos para as bocas.

Rio, o destino da minha água era não ficar em mim.

Submeto-me e sinto-me quase alegre,

Quase alegre como quem se cansa de estar triste.


Ide, ide de mim!

Passa a árvore e fica dispersa pela Natureza.


Murcha a flor e o seu pó dura para sempre.

Corre o rio e entra no mar e a sua água é sempre a

que foi sua.


Passo e fico, como o Universo.



Alberto Caeiro, O Guardador de Rebanhos (Poema XLVIII)

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