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A Espiritualidade e a “pseudo-espiritualidade”
Não nos enganemos: o caminho da
espiritualidade não é fácil, não é uma fase, muito menos uma moda que
chega e passa. A espiritualidade é um caminho que se escolhe, um caminho
interior rumo ao despertar da nossa consciência, que como o próprio
nome indica, tem implícita a concentração e o foco não no materialismo,
mas no Espírito que desce e se manifesta na Matéria, animando-a de vida.
Espiritualidade
vem do latim “spiritus”, que significa respiração ou sopro. Diz o
Dicionário Michaelis, Espírito é o “Princípio animador ou vital que dá
vida aos organismos físicos”. Num sentido mais lato, Espírito é aquilo
que não tem forma, mas que sendo o Sopro, ou Verbo Divino, cria a
Matéria e a anima. Por este raciocínio se depreende que é o Espírito que
comanda a Matéria, e assim sendo, tudo o que nesta se manifesta - ou
seja, no plano físico - tem a sua causa e princípio no plano espiritual,
e não o contrário.
Seguindo esta ideia, a espiritualidade é a
busca de respostas sobre os mistérios da Vida e do Cosmos por quem não
as encontra no mundo material, no que lhe é explicado pela sociedade, e
no que esta, de um modo geral, pratica. Essa busca, quando verdadeira,
toma a forma de compromisso pessoal tomado de plena consciência, que
implica uma vontade profunda de transformação e superação de si próprio,
que necessita de todo o nosso empenho e de uma permanente
auto-vigilância para se cumprir.
Cada vez mais nos é vendida a
ideia de uma espiritualidade fácil e rápida, que passa por adquirir ou
experimentar uma série de produtos e serviços que empregam em abundância
termos de conotação espiritual e prometem resolver os nossos problemas,
mudar a nossa vida, e ajudar-nos a nos tornarmos ”espirituais” de uma
forma mais rápida. Duas coisas: nós já somos espirituais, precisamos é
de tornar essa espiritualidade consciente e ativa; a via da
espiritualidade não é fácil ou rápida.
A espiritualidade é um
caminho longo e progressivo que tem em vista à nossa evolução. Mas não
temos possibilidade de saltar etapas desse percurso. Podemos procurar
acelerar o nosso desenvolvimento espiritual, o que é algo bem diferente,
e que implica maior empenho e vontade, e também maiores desafios e
responsabilidades. A evolução é o despertar do nosso potencial latente,
do divino em nós. A existência da divindade dentro de nós - e não apenas
fora de nós - é uma ideia natural em muitas partes do mundo. Um bom
exemplo disso é a saudação nepalesa mais comum, “Namasté”, que significa
“O deus que há em mim saúda o deus que há em ti”.
Na
espiritualidade, tudo tem a ver com vivenciação, pois esta não pode
existir apenas em teoria, em conhecimento não vivenciado ou não
aplicado. É o grande Teatro da Vida: é através das muitas experiências
pelas quais passamos e de tudo o que vivenciamos ao longo de múltiplas
reencarnações, que a nossa consciência vai despertando, que ocorre a
transformação interior e a evolução da nossa mónada, ou seja, da nossa
essência espiritual. Então, retomando o ponto anterior, não vamos saltar
etapas na nossa evolução só por nos rodearmos de experiências
momentâneas, símbolos e palavras que não compreendemos. Isso é uma
ilusão.
De facto, cada vez mais se utilizam abusivamente palavras e
símbolos sagrados sem uma compreensão do que significam, e com
propósitos que por vezes nada têm a ver com esse uso, vulgarizando-os.
Por vezes os símbolos são utilizados erradamente, invertendo a sua
rotação, e fazendo com que o seu significado - e energia gerada - seja o
oposto, passando a significar involução em vez de evolução, por
exemplo.
Um dos símbolos que mais é confundido - e que ilustra bem
o impacto da inversão de um símbolo - é a famosa suástica ou cruz
gamada: este é um símbolo milenar, gravado em muitos templos da Índia,
do Tibete, da China e de outros países com influência hindu e budista,
aparecendo por vezes gravado no peito de estátuas do Buddha. Na sua obra
de referência “A Doutrina Secreta”, Helena Petrovna Blavatsky -
reconhecida teósofa e cofundadora da Sociedade Teosófica - explicou que a
suástica é por excelência um símbolo da Evolução Cósmica.
Por
isso, a suástica amplamente utilizada por Hitler que se tornou um
símbolo dos ideais do nazismo não é, nem poderia ser, esta suástica, e
sim uma suástica deliberadamente invertida - ou sovástica – o que
inverte igualmente o seu significado, que passa a ser o de involução e
caos em vez de evolução. Comparando a suástica gravada nos templos
hindus com o estandarte nazi verificamos facilmente que a segunda é uma
inversão da primeira. O movimento verifica-se pelo vértice, e a suástica
tem um movimento no sentido dos ponteiros do relógio, enquanto a
suástica invertida ou sovástica de Hitler gira no sentido anti-horário.
Antes
de se utilizar um símbolo é muito importante começar por estudar a sua
origem e significado através de fontes fidedignas, pois há uma imensa
quantidade de informação errada, sobretudo na internet. Qualquer símbolo
ou palavra representa uma ideia, princípio ou força, e os símbolos
tanto são criados para construir como para destruir - a suástica
invertida é um dos maiores exemplos disso. Utilizar um símbolo é
invocá-lo, tornando presente tudo o que ele representa.
Por isso é
preciso muito cuidado na utilização de símbolos e palavras sagradas,
para não os vulgarizarmos nem utilizarmos de forma a que possam
tornar-se prejudiciais para nós ou para outros, mesmo que tenhamos as
melhores intenções. Energia é energia: uma vez posta em movimento, ela
vai gerar resultados, independentemente da nossa consciência
relativamente à forma como ela se manifesta ou nos influencia.
Por
outro lado, ter conhecimento dos símbolos ou das Tradições antigas ou
não é garantia alguma de desenvolvimento espiritual. Quem envereda por
um caminho espiritual está sujeito ao erro como qualquer outra pessoa,
pois todos temos tendências negativas para resolver e transformar em
tendências positivas, e o caminho que cada um tem a percorrer é único. A
diferença é que, à partida, uma pessoa que deseja transformar-se e
procura uma orientação nesse sentido dispõe de uma maior quantidade de
ferramentas para (se) trabalhar. Assim, poderá evitar cair em alguns
erros mais comuns. Mas tal só acontecerá se houver vontade e for feito
um esforço nesse sentido.
Quando as pessoas se comprometem
interiormente com um trabalho espiritual para a evolução da sua
consciência, e tanto quanto possível auxiliar outros a fazerem o mesmo,
não devem esperar que tudo passe a ser perfeito, ou achar que não vão
cometer mais erros, nem vão ter mais problemas familiares, nem vão mais
ficar desempregados, etc. As coisas não funcionam assim. Vai continuar a
acontecer tudo o que for necessário para cumprirmos o nosso caminho e
crescermos em consciência através de múltiplas experiências. Às vezes, a
perda de um emprego ou o fim de um relacionamento podem ser uma bênção.
Infelizmente,
o que tomamos por espiritualidade é muitas vezes uma
pseudo-espiritualidade. Algumas pessoas, por exemplo, utilizam os seus
conhecimentos e capacidades psíquicas ou intelectuais para cultivarem o
seu poder pessoal, para serem adoradas e passarem a ideia de que são
criaturas perfeitas, que não cometem erros, nem se enganam, ao mesmo
tempo que tratam outras pessoas como inferiores, revelando incoerência,
falta de humildade e desrespeito pelos princípios e valores que, em
teoria, defendem. Mas mesmo isso faz parte do seu processo pessoal. E em
última análise, a “pseudo-espiritualidade” tem a sua utilidade e cumpre
o seu papel, nem que seja ajudando-nos a compreender o que a
Espiritualidade não é.
A partir do momento em que se inicia um
caminho espiritual, verdadeiramente, não há volta atrás. Quando há um
despertar da consciência, não há como perder essa consciência, nem é
possível continuar a viver como antes se vivia. É como uma morte,
seguida de um renascimento: simbolicamente, é mesmo isso que acontece,
só não existiu uma morte no plano físico. É como se antes estivéssemos
mortos, estando vivos, mas sem viver verdadeiramente. Depois de
sentirmos isso dentro de nós, não há como viver da mesma forma.
Concluindo,
a Espiritualidade não funciona como um botão on/off, que se acende ou
apaga em algumas áreas da nossa vida conforme nos dá jeito. Se a nossa
espiritualidade não se manifestar em tudo o que somos e fazemos, em
todas as áreas da nossa vida e na nossa relação com os outros, não é de
todo espiritualidade. Tudo pode, no fundo, resumir-se numa frase genial
que circula atualmente pela internet, de autor desconhecido: “Não
adianta fazer yoga e não cumprimentar o porteiro”.
Vera Vieira da Silva
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