Ontem a comunicação social falou amplamente no Dia Internacional da Mulher e no tema sempre tão presente da violência doméstica. Tive a oportunidade de ler nas redes sociais alguns comentários que me deixaram com a estranha sensação de que muitas pessoas não sabem o porquê da existência deste dia. Não estou a referir-me aos factos históricos que infelizmente fizeram com que o dia 8 de Março se tenha tornado o Dia Internacional da Mulher, mas sim às causas por detrás dos factos que levaram a esse dia, que são a desigualdade de direitos entre homens e mulheres.
O meu objetivo com este texto não é o de divagar sobre essas desigualdades, pois além destas serem de conhecimento geral, existem já muitos materiais sobre esse assunto. Pretendo apenas lembrar que o Dia Internacional da Mulher não é tanto uma celebração da mulher na sua condição – caso fosse, deveria existir também um Dia Internacional do Homem –, mas um dia para relembrar que os direitos entre homens e mulheres ainda não são os mesmos, talvez, principalmente, porque a sociedade no seu conjunto ainda não tenha evoluído o suficiente para perceber que homens e mulheres são diferentes, mas iguais.
A mentalidade é o mais difícil de mudar. E as nossas raízes familiares têm aí um papel muito importante, apesar de nem sempre definidor. Venho de uma família em que as mulheres sempre foram bem tratadas. Tanto o meu pai, como os meus dois avôs, e mesmo os meus quatro bisavôs, segundo me foi contado, tratavam as suas mulheres como iguais. Quero dizer com isto que, a nível familiar, nunca notei nenhuma diferença de tratamento, no respeito, ou na percepção do meu valor pessoal pelo facto de ser mulher. Pelo contrário, por exemplo, sempre senti que o meu pai esperava tanto de mim que me fazia sentir que não era o suficiente, que podia sempre ser e fazer melhor. Agora que já não o tenho, vejo cada vez mais que o facto do meu pai esperar sempre cada mais e melhor de mim significava que não havia para ele qualquer diferença ligada ao meu género: para ele eu tinha plenas capacidades enquanto mulher, de ser o melhor que eu puder ser e ultrapassar os meus próprios limites, porque as nossas capacidades têm a ver com a nossa humanidade, não com o nosso género.
Por esse motivo, só a partir de certa altura na minha adolescência me apercebi de que a experiência de muitas mulheres à minha volta, e pelo mundo, era bem outra. E esse facto foi incompreensível para mim – ainda o é. Sabemos que há razões físicas e fisiológicas, históricas e psicológicas que ajudam a explicar as causas que estão na origem desta percepção e diferença de tratamento. Mas que motivos levam a que, ainda hoje existam tantos homens e mulheres – mulheres, sim - que acreditam que as mulheres são inferiores? Os motivos são demasiado complexos para aqui serem abordados, mas permitam-me dizer algo a este respeito.
Quando falamos de homens e mulheres, falamos da humanidade. Falamos de seres humanos, seres humanos que têm géneros diferentes, o que nos permite continuarmos enquanto espécie. Sem uns, não existiriam os outros, pelo que diferenças de valoração não fazem sentido. Se uma mulher e um homem trabalham durante o mesmo tempo e realizam o mesmo trabalho, o pagamento pelo seu trabalho deverá ser igual. Qualquer pessoa com capacidades de raciocínio básicas deverá concluir isso como algo lógico, acredito.
E na esfera das relações pessoais, há algo de essencial a lembrar: cada ser humano, independentemente do seu género, é livre de fazer as suas próprias escolhas. Um relacionamento, mesmo um casamento, não é um contrato de posse – foi em tempos, já não é – e quando acaba, acaba. Um ser humano que precisa de fazer mal a outro para lidar com a dor da sua perda, e a dor de perceber que “ninguém é de ninguém”, é uma pessoa fraca e incapaz, pois não consegue aceitar que o seu poder pessoal não se mede pelo poder que tem sobre os outros, mas pelo poder que tem sobre si próprio e de realizar plenamente as suas capacidades pessoais. Que chegue o dia em que o Dia Internacional da Mulher não seja mais necessário, porque esse será o dia em percebemos finalmente que somos diferentes, mas somos iguais.
Vera Vieira da Silva